top of page
01

O Passado e o Futuro

"Me vejo convertido a erudito respeitável e, o que é pior, respeitado. Isso me queima de vergonha", escreveu Mário de Andrade em 1942 ao jornalista e crítico Moacir Werneck de Castro. Esta fala poderia estar na boca de muita gente, mas não tendo como primeira pessoa o poeta.

Entusiasta e praticamente anjo guardião da cultura brasileira de sua época, Mário atravessou o Brasil numa época em que a dificuldade de locomoção de um estado para outro era uma aventura. Com este espírito surgiu a pesquisa das missões.

O projeto das Missões estava alocado ao Departamento de Cultura da cidade de São Paulo e iniciou-se no ano de 1928, idealizado por Andrade em conjunto com Dina Lévi-Strauss e Oneyda Alvarenga.

A instabilidade do governo de Getúlio Vargas, criada pelo regime político - chamado "Estado Novo" - foi marcada pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo. O processo de urbanização no Brasil foi avançando e as novas tecnologias revolucionavam a comunicação, direcionando-se principalmente para o canal de comunicação mais usado da época: o rádio. 

Neste governo (1937-45), os cultos afro-brasileiros no nordeste sofreram discriminação legal e perseguição policial, sob o julgamento de “baixo espiritismo”. 

No ano de 1937, no Recife, a Secretaria de Segurança Pública decretou através de uma circular, a proibição de funcionamento dos terreiros (locais de eventos religiosos afrodescendentes).

Segundo informações de jornais da época, os locais dos cultos religiosos africanos, eram considerados centros de feitiçaria e estavam proibidos de funcionar segundo quatro contravenções:

1 – Explorar a boa-fé popular;

2 - Profanar símbolos, santos e imagens católicas;

3 - Colaborar para esconder líderes e/ou divulgar ideias comunista

4 - Praticar o charlatanismo, fazendo a utilização indevida da atividade médica.

 

Mário de Andrade diante deste fato, ficou temeroso pelo desaparecimento das manifestações populares. 

Tecnologicamente, o Brasil estava entrando em uma fase de gravação eletromagnética de discos e Mário ficou muito entusiasmado com as novas tecnologias esmo não tendo ainda uma vitrola para realizar o seu trabalho, ficou com os ouvidos e olhares atentos, preparando-se para a viagem de pesquisa, que estaria acontecendo entre o final daquele ano e o início do ano seguinte.

Andrade inspirou-se também com a “Discoteca do Estado” criada com a iniciativa do Conselho de Ministros da Itália, ministério este que também percebeu a necessidade de ter um registro das músicas cantadas em diversas regiões, bem como de canções que as pessoas estavam esquecendo, ou apenas sendo substituídas por outras. Este projeto o deixou bastante entusiasmado.

O poeta consegue então um exemplar do trabalho de Roquete Pinto, que em 1917, gravou discos com cantos indígenas de Rondônia. Foi então, que despertou um total interesse pela preservação da memória musical no Brasil, relatando:

 

"Nossa música popular é um tesouro prodigioso, condenado à morte. A fonografia se impõe como remédio de salvação. A registração manuscrita é insuficiente porque dada a rapidez do canto é muito difícil escrevê-lo e as palavras que o acompanham. Tanto mais que a dicção e a entoação dos cantadores é extremamente difícil de ser verificada imediatamente com nitidez. Usam uma nasalação e um portamento constante tão sutil, ao mesmo tempo que o rubato rítmico de imprevistos tão surpreendentes e livres que o músico fica quase na impossibilidade de traduzir imediatamente na escrita o que está escutando. Por tudo isso o fonógrafo se impõe. Não é possível num país como o nosso, a gente esperar qualquer providência governamental nesse sentido. Cabe mais isso (como quase tudo) à iniciativa do povo. São as nossas sociedades que podem fazer alguma coisa para salvar esse tesouro que é de grande beleza e valor étnico inestimável. Parece-nos que sobretudo a sociedade dos Bandeirantes, fundada no Rio, podia fazer o trabalho que se impõe como imediato. Deixamos o apelo aqui.”(PEREIRA, 2011, p. 35)

Cemitério da Consolação

Foto: Secult / Divulgação e USP / Divulgação

Conhecendo um pouco sobre Mario de Andrade
02

Conhecendo um pouco sobre Mário de Andrade

No dia 09 de Outubro de 1893, nascia em São Paulo, precisamente, no número 320 da Rua Aurora, um poeta, romancista, músico, historiador, professor, crítico de arte, homem público, fotógrafo e pioneiro no campo da etnomusicologia. Sua influência transcendeu fronteiras, exercendo uma enorme influência na literatura moderna brasileira, como ensaísta e estudioso. Mário pensava o Brasil como nação.

Durante quase toda sua vida, morou em São Paulo, onde seus pais Carlos Augusto de Andrade (autor de pequenas peças de teatro e guarda-livros) e Maria Luísa de Almeida Leite Moraes de Andrade, também haviam morado. Foi matriculado durante sua infância no em 1911, no conservatório Dramático e Musical de São Paulo e considerado prodigioso pianista, recebeu educação formal apenas em música, sendo autodidata em história, arte e especialmente poesia.

Apaixonado pela música, respirava e vivia por ela. Todo o seu trabalho foi pautado em grande parte, pela estrutura rítmica de seus poemas e escritos. Dominava a língua francesa, tendo lido Rimbauld e os principais poetas simbolistas franceses durante a infância.

O primeiro poema – “Fiori de lá-pa”, foi escrito quando ainda era menino, em 1904, cantado com palavras inventadas. Foi a partir daí, que percebeu o seu dom para escrever. Em depoimento a SENNA (1996, p.86), descreve sobre como havia começado a escrever:

 

O estalo veio num desastre da Central durante um piquenique de subúrbio. Me deu de repente vontade de fazer um poema herói-cômico sobre o sucedido, e fiz. Gostei, gostaram. Então continuei. Mas isso foi o estalo apenas. Apenas já fizera algumas estrofes soltas, assim de dois em três anos; e aos dez, mais ou menos, uma poesia cantada, de espírito digamos super realista, que desgostou muito minha mãe. — “Que bobagem é essa, meu filho?"— ela vinha. Mas eu não conseguia me conter. Cantava muito aquilo. Até hoje sei essa poesia de cor, e a música também. Mas na verdade ninguém se faz escritor. Tenho a certeza de que fui escritor desde que concebido. Ou antes... Meu avô materno foi escritor de ficção. Meu pai também. Tenho uma desconfiança vaga de que refinei a raça. (SENNA,1996 p.86, apud TONI))

 

Ingressa em 1905, no Ginásio Nossa Senhora do Carmo dos Irmãos Maristas, onde tem professores belgas e franceses. Formou-se bacharel em Ciências e Letras e quando terminou o curso, multiplica suas leituras e começa a frequentar concertos e conferências.

Em 1913, morre seu irmão Renato, aos 14 anos, devido complicações decorrentes de uma cabeçada recebida enquanto jogava futebol. O fato provocou um profundo choque em Mário que, muito abalado e trabalhando em excesso, entrou numa profunda crise emocional, tomando então a decisão de abandonar o Conservatório onde lecionava História da Arte e Piano e de se retirar com a família, para passar um tempo em Araraquara - na fazenda de Pio Lourenço Correa.

Em 1915, formou-se no curso de canto no Conservatório e embora formado, não quer mais se apresentar - desiste da carreira de concertista devido ao fato de ter adquirido um tremor nas mãos. Aprofunda então seus estudos com a intenção de se tornar um professor de música, paralelamente deseperta seu interesse pela literatura. No ano seguinte escreve os primeiros contos e poemas. Em 1916, conclui como voluntário, o serviço Militar.

Morre seu pai em 1917, e neste mesmo ano, Mário de Andrade recebe o diploma de formação em piano no Conservatório; pública então seu primeiro livro: “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema”, com o pseudônimo de Mário Sobral. Esta obra contem indícios do crescente senso de percepção do autor em relação a uma identidade particularmente brasileira, mas assim como a maior parte da poesia brasileira produzida na época, o faz num contexto fortemente ligado à literatura europeia — especialmente francesa.

Na mesma época, conhece o escritor, Oswald de Andrade, que entrega seus artigos para o “Jornal do Commércio”. Em 1918, recebe o Diploma de Membro da Congregação Mariana de Nossa Senhora da Conceição da Igreja de Santa Ifigênia, noviciado na Ordem Terceira do Carmo.

Inicia os estudos de alemão com Else Schöler – Eggebert que o coloca em contato com o expressionismo e a música de Wagner. É nomeado professor no Conservatório, e escreve contos e poemas.

Torna-se colaborador esporádico em jornais e revistas, como “A Gazeta” e “O Echo” - ambas de São Paulo, posicionando-se como crítico de arte e cronista. Escreve a primeira crítica musical na imprensa.  

Em 1919, viaja para Minas Gerais e escreve o conto “O queijo”, e continua a colaborar com jornais e revistas.

Trabalha no jornal “Papel e Tinta” (SP), fundado por Oswald de Andrade; na “Revista do Brasil” (RJ) até 1926, e na “Ilustração Brasileira” (RJ), a primeira revista brasileira ilustrada.

Nessa época, começa a se interessar e recolher documentos musicais populares, como as paródias[1], parlendas[2] e pregões[3].

Em 1921 leciona história da arte no Conservatório e ingressa na Sociedade de Cultura Artística. No mesmo ano, muda-se para a casa situada na Rua Lopes Chaves no bairro Barra Funda em São Paulo, juntamente com sua mãe e sua tia madrinha - Ana Francisca de Almeida Leite Moraes - que devido a destreza no tricô, foi citada em sua obra Macunaíma.

Participa de um banquete do Trianon para o lançamento do Modernismo, onde é apresentado ao público pelo escritor, Oswald de Andrade, através do artigo "Meu Poeta Futurista" (publicado no Jornal do Comércio São Paulo) e escreve para o jornal "Mestres do Passado" onde comenta sobre os parnasianos[4].

Mário de Andrade ao mesmo tempo em que realizava seu trabalho como pesquisador do folclore brasileiro fez amizade com um grupo de jovens artistas e escritores de São Paulo que assim como ele estavam interessados no modernismo europeu. Apesar de ter sido uma pessoa de inteligência invejável que teve inúmeras ocupações, sempre tinha tempo para ajudar os escritores que ainda não eram conhecidos.

Surge neste período, seu primeiro contato com a modernidade na Exposição de Anita Malfatti e numa viagem para Minas Gerais, inicia um contato com o barroco mineiro, fazendo uma visita a Alphonsus de Guimarães.

Em 1922, é professor catedrático de História da Música e Estética no Conservatório e participa da revista “Klaxon”, publicando poemas, críticas de literatura, artes plásticas, música e cinema. Escreve seu terceiro livro de poesias e o mais vanguardista: “Losango Cáqui”.

Começa a se corresponder com Manuel Bandeira e mantém a relação até o final de sua vida. Pública a poesia "Paulicéia Desvairada". Na época, compôs uma única canção intitulada "Viola Quebrada", em uma parceria com Ary Kerner.

Participa da Semana de Arte Moderna em São Paulo, fato esse que discorreremos mais profundamente a seguir. Estudando alemão, se enamora por Kaethe Meichen-Bosen, em 1923.

Faz parte da revista “Ariel”, em São Paulo. Escreve a poética modernista “A escrava que não é Isaura” e continua a colaborar na “Revista do Brasil” (RJ).

Em 1924, realiza a histórica "Viagem da Descoberta da Cultura Popular do Brasil". Passa a Semana Santa em Minas Gerais, acompanhado do poeta Blaise Cendrars, junto com os amigos Oswald de Andrade, a pintora Tarsila do Amaral e de Dona Olivia Guedes Penteado[5]. Segundo MAIA,

Detendo-se em povoações e cidades históricas mineiras, para os modernistas tudo parecia novo e, ao mesmo tempo, muito antigo. A atitude paradoxal tem uma lógica. O distanciamento que a maior parte de nossos escritores manteve com a realidade brasileira fazia com que a paisagem da Minas barroca surgisse aos olhos dos modernistas como qualquer coisa de novo e original, dentro, portanto, do quadro de autenticidade cultural que eles procuravam. A reflexão dos modernistas, vinda desse contato que se pretendeu direto com uma parcela do povo brasileiro, pôde focalizar os processos de criação popular percebendo-os mais livres e mais condizentes com nossas condições e, em alguns pontos, até mesmo apresentando coincidência com propostas de determinadas vanguardas europeias. A “Viagem da Descoberta do Brasil” provoca um amadurecimento no projeto nacionalista dos modernistas, fazendo com que a ênfase, que de início recaía com mais força sobre o estético, possa ir, progressivamente, abrangendo e sulcando o projeto ideológico. (MAIA, 2008 p. 159, apud TONI)

 

Mário passa a se dedicar a pesquisa linguística de um "falar brasileiro” - que rompesse os limites regionais. Nessa época, sente-se apaixonado platonicamente, por Carolina da Silva Telles[6], inspiradora dos poemas, “Tempo da Maria e da figura da Uiara”, presente em “Macunaíma”. Colabora em 1925, na Revista “Nova” de Belo Horizonte. Publica “A Escrava que não é Isaura”.

Por volta da mesma época, realiza leitura de Von Roraima zun Orinoco de Theodor Konch-Grünberg[7], onde encontra o lendário "Makunaíma" - uma entidade mítica do alto Peru; neste mesmo livro esboça traços da rapsódia.

Durante férias na Chácara da Sapucaia, em Araraquara, conhecida como a “Chácara do Tio Pedro” no interior de São Paulo, escreve a primeira versão de “Macunaíma”, que ao todo foram 17 capítulos mais um epílogo, além do prefácio inédito.

Pública “Losango Cáqui”.

Em 1927, faz novas redações de “Macunaíma”. Começa a trocar cartas para falar desta obra, com Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e aproveitam o momento, para discutirem sobre o livro “Experiências com a fotografia”.

Mário de Andrade, começa a fotografar, demonstrando um estudo minucioso das técnicas e as intenções artísticas. Nesta fase embrionária de Macunaíma, colabora no “Diário Nacional de São Paulo”, como crítico de arte e cronista (até 1932, quando o jornal é fechado). Faz sua estreia como romancista, publicando “Amar, verbo intransitivo”, que abala a burguesia paulistana com a história de Carlos, um adolescente de família tradicional iniciado nos prazeres do sexo pela sua Fraülein, contratada por seu pai exatamente para essa tarefa.

O contato direto de Mário de Andrade, com a cultura popular regional, resultou também na obra ”Clã do Jabuti”, com uma poética elaborada a partir das formas musicais do povo, toada, moda de viola, e romance.

Realiza sua primeira “Viagem Etnográfica” em companhia de Tarsila do Amaral e de dona Olívia Guedes Penteado percorrendo todo o Brasil, indo do Amazonas ao Peru, viagem essa que resulta na obra “O Turista Aprendiz”. Em 1928, publica “Ensaio sobre a Música Brasileira” e finaliza o livro “Macunaíma” - o Herói sem nenhum caráter.

Escrevendo sob um fundo romanesco e satírico, onde se mesclavam numa narrativa exemplar - a epopeia e o lirismo, a mitologia e o folclore, a história e o linguajar popular. O "herói sem nenhum caráter", personagem-título, se tornou uma síntese das virtudes e defeitos do brasileiro comum. Nessa obra, Mário de Andrade inova a estética literária - com audácia e rebela-se contra a mesmice das normas vigentes, repercutindo em todo o país por sua abordagem inédita. Escreve em 1929, uma coluna de crônicas - "Táxi", no “Diário Nacional”.

         Realizando sua segunda “Viagem etnográfica” segue para o Nordeste do Brasil, resgatando documentos, música popular e danças dramáticas. Neste mesmo ano, rompe sua amizade com Oswald de Andrade, iniciada por volta de 1917, quando ambos defendiam a arte contra os ataques da imprensa conservadora. Os dois escritores não perdiam nenhuma oportunidade para proclamar seu apoio às mudanças nas artes brasileiras. Contudo, Mário e Oswald possuíam comportamentos e algumas ideias diversas, o que resultava em desentendimentos, intrigas e agressões, culminando com um definitivo rompimento da amizade. No ano de 1923, ocorreu o primeiro indício de desentendimento entre eles, como reclama Mário de Andrade com Tarsila do Amaral em carta: (AMARAL apud RODRIGUES, 2010, p.6)

 

Foi bom deixar que passassem dois dias depois do recebimento da tua carta, para te escrever. Já agora passou a primeira forte irritação que me causou o procedimento do Oswaldo. Não sei, nem quero imaginar o que te disse Oswaldo a meu respeito. Sei que não mentiria. Mas sei também que exagerou. Magoa-me com três ou quatro injustiças pesadas. Depois, no Rio, ainda Oswaldo, meu amigo, tenta desacreditar-me. Ele mesmo o confessou. Agora, em Paris, contigo. (esta carta é para que ele, a leia).(AMARAL, 2003, p.729)

 

As diferenças entre os dois começam a se acentuar quando Menotti del Picchia lança o livro “O Homem e a Morte” e Mário faz públicos, documentados e explícitos elogios ao escritor, que por outro lado foi duramente criticado por Oswald – que também havia lançado na mesma época sua obra – “Os Condenados”. A crítica literária da época se dividia, havia quem elogiasse a obra de Menotti e quem achasse que a obra de Oswald era infinitamente superior. O grupo de ativistas do modernismo se dividia em intrigas e egos exaltados.

Em 1930, Mário de Andrade participou da "Revolução de 30" apoiando-a. Defendeu o Nacionalismo Musical e publica “Modinhas Imperiais”, “Crítica e antologia” e “Remate de Males”.

Em 1933 completa 40 anos e faz crítica ao Diário de São Paulo até o ano de 1935. Em 1934, cria e dirige a Coleção Cultural Musical (Edições Cultura Brasileira - São Paulo). Colabora em “Festa” – uma revista que trouxe alternativas na busca do entendimento da modernidade e nacionalidade dos modernistas de São Paulo para a década de 1920 (Rio de Janeiro); publica também em “Boletim de Ariel” - a revista literária mais importante da época. Ainda nesse ano, pública “Contos de Belazarte”, onde o autor faz uma análise social e psicológica das relações familiares.

Nomeado em 1935, como chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do Departamento de Cultura, publica “O Aleijadinho” e “Álvares de Azevedo”.

Em 1936, deixa de dar aulas no Conservatório e é nomeado Chefe do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. No ano seguinte, em 1937 - apresenta-se contra o Estado Novo.

Demitindo-se do Departamento de Cultura de São Paulo em 1938, transfere-se para o Rio de Janeiro. É nomeado professor-catedrático de Filosofia e História da Arte na Universidade do Distrito Federal e colabora no Diário de Notícias no Rio de Janeiro. Publica “Namoros com a Medicina” e estudos de folclore.

Em 1939, cria a Sociedade de Etnologia e Folclore de São Paulo, sendo o primeiro presidente. Organiza o 1o Congresso da Língua Nacional Cantada. Projeta a criação do SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. É nomeado encarregado do Setor de São Paulo e Mato Grosso. Escreve poemas de “A Costela do Grão Cão”. Publica “Samba Rural Paulista”. É crítico do Diário de Notícias até 1944 e colabora na “Revista Acadêmica” (RJ) e em “O Estado de São Paulo”. Na mesma época, publica “A Expressão Musical nos Estados Unidos”.

Em 1941, Mário de Andrade, volta a morar em São Paulo, à Rua Lopes Chaves 546 e passa a ser comissionado pelo SPHAN. Colabora em “Clima” - uma revista formada por um grupo de estudantes herdados do modernismo, onde Mário foi o fiador intelectual, escrevendo sobre a inteligência brasileira. A revista foi o veículo que retratou a renovação das críticas no Brasil, com uma proposta inovadora de discussão e a participação dos rumos da cultura nacional.

Em 1942, torna-se sócio fundador da Sociedade dos Escritores Brasileiros. Colabora no “Diário de S. Paulo” e na “Folha de São Paulo” e publica “Pequena História da Música”. Em 1943, lança “Aspectos da Literatura Brasileira”, “O Baile das Quatro Artes”, “Os Filhos de Candinha” - crítica e crônicas. No ano seguinte, em 1944, escreve a poesia, “Lira Paulistana”.

Suas obras foram classificadas em dezenove volumes, entre Poesias, Romances, Contos, Crônicas e Ensaios.

Faleceu no dia 25 de Fevereiro de 1945, em sua casa - São Paulo, vítima de um enfarte do miocárdio e foi enterrado no Cemitério da Consolação - São Paulo, no ano da publicação de “Lira Paulistana” e “Poesias completas”.

Devido as suas divergências com o regime político da época, não houve qualquer reação oficial significativa devido à sua morte. Somente dez anos mais tarde, quando já havia falecido o ditador Getúlio Vargas, foi quando se deu o iniciou a consagração de Andrade como um dos principais valores culturais no Brasil, e no ano de 1960 - foi dado o seu nome à Biblioteca Municipal de São Paulo.

Seu legado foi marcado por uma obra volumosa e repleta de riquezas, tornando-se um capítulo à parte em sua produção literária sem fronteiras, e mantida, ininterruptamente pelos colegas: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Fernando Sabino, Augusto Meyer e outros. Suas cartas conservaram a mesma prosa saborosa de suas criações com palavras — um lirismo que como ele disse, "nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada”.

[1]Criações que imitam outras obras, com objetivo cômico.

[2]Versos com rimas que divertem.

[3]Anúncios que servem para vender mercadorias pelos ambulantes.

[4]Movimento literário que nasceu em Paris-França, e trouxe para a poesia o espírito positivista e científico da época, do século XIX (dezenove) em contraponto ao romantismo.

[5] Durante dez anos, de 1924 a 1934, Mário frequentou saraus no casarão de Dona Olívia Guedes Penteado - quase semanalmente.

[6]Carolina Penteado da Silva Telles era filha de Olívia Guedes Penteado. Durante dez anos, de 1924 a 1934, Mário frequentou os saraus no casarão de Olívia e via Carolina quase semanalmente, casada com Gofredo Teixeira da Silva Telles – vereador e posteriormente prefeito da cidade de São Paulo, em 1932.

[7]Theodor Koch-Grünberg (9 de abril 1872, Oberhessen, Alemanha – 8 de outubro 1924, Boa Vista, Brasil) foi um etnologista e explorador alemão que contribuiu relevantemente ao estudo dos povos indígenas da América do Sul, em particular dos Pemon da Venezuela e dos povos indígenas brasileiros da região Amazônica, estudando a mitologia, lendas, etnologia, antropologia e história dos mesmos.

Retrato de Mário de Andrade,Tarsila do Amaral, 1922

Reprodução fotográfica Romulo Fialdini

Interações Modernistas
04
04

A Semana de Arte Moderna

Entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, num momento brasileiro ancorado pela Velha República - calçada numa política conservadora e dominada pelos senhores da oligarquia do café, com uma elite acostumada aos modelos estéticos europeus - um grupo de artistas propôs uma ação que pretendia renovar e transformar o cenário cultural e artístico da época. A ideia central era criar uma arte essencialmente brasileira, sem desprezar as influências europeias.

Participaram da semana da arte moderna: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos,Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Guiomar Novais, Paulo Prado entre outros, e teve como um dos organizadores o intelectual - Rubens Borba de Moraes que não pode participar por estar doente. Tarsila do Amaral, também não compareceu ao evento, por estar em Paris.

A Semana de Arte antiga ocorreu em uma época repleta de turbulências políticas, sociais, econômicas e culturais. Surgiram novas vanguardas estéticas e o mundo chocou-se com as novas linguagens carentes de regras.

O evento foi alvo de críticas e na época, em parte foi desprezada por não ser bem entendida. Este período se encaixa no contexto da República Velha (1889-1930), controlada pelas oligarquias cafeeiras - as ricas famílias tradicionais - e pela política do café com leite (1898-1930). Crescia no Brasil o capitalismo, consolidado pela elite e pela república paulista, totalmente influenciada pelos padrões tradicionais estéticos europeus.

A Semana da Arte Moderna teve como objetivo renovar o ambiente cultural e artístico da cidade, como cita o Correio Paulistano (órgão do partido governista paulista, em 29 de Janeiro de 1922) dizendo o seguinte: “a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual”.

Estava fundado o Modernismo no Brasil, apesar do forte impacto causado pelo movimento, se manteve devido a grande divulgação em jornais e revistas da época.

Em 1917, o ataque de Monteiro Lobato à exposição de Anita Malfatti é respondido com a Semana. Em torno dela, surgem Mário de Andrade com a obra “Paulicéia Desvairada” e “Macunaíma”; Oswald de Andrade com “Memórias Sentimentais de João Miramar”; Manuel Bandeira com “Ritmo Dissoluto”; Cassiano Ricardo com “Martim-Cererê”, e movimentos como o da "Revista de Antropofagia do Pau-Brasil" e da "Revista Verde de Cataguazes" ambas lideradas pelo escritor, dramaturgo brasileiro eensaísta de tendências nacionalistas Oswald de Andrade.

A esse núcleo juntam-se Carlos Drummond de Andrade com “Alguma Poesia”, Augusto Meyer com “Giraluy”, Mário Quintana com “A Rua do Catavento”, Jorge de Lima com “Poemas Negros” e o romancista José Lins do Rego, com “Menino de Engenho”.

A reação ao liberalismo desse grupo, com o "Verde-amarelismo" - foi um movimento que defendia o nacionalismo ufanista. Esse movimento converteu-se em 1926, no chamado "Grupo da Anta", que seguiu uma linha de orientação política nitidamente de direita, da qual sairia na década de 1930, o Integralismo de Plínio Salgado - associado ao fascismo.

Os ufanistas eram aqueles que acabavam extrapolando, se vangloriando, exaltando as riquezas brasileiras; expondo a si e ao país a uma situação interpretada por alguns como arrogância e vaidade. O movimento "Verde-amarelismo" e o "Anta" - ambos comandados, por Plínio Salgado e outros poetas, como Menotti Del Picchia na obra “Juca Mulato” - fecham-se às vanguardas europeias. Mais tarde, o poeta Cassiano Ricardo passaria a considerar sua participação no "Grupo da Anta" como um erro.

Mário de Andrade foi um dos mais importantes participantes da Semana de 22. Realiza importante pesquisa sobre o folclore brasileiro e a utiliza em suas obras, afastando-se da postura de valorizar somente o que é europeu. Esses estudos são utilizados em sua obra “Macunaíma - o herói sem nenhum caráter" - onde traça o perfil do herói brasileiro, produto de uma grande mistura étnica e cultural.

José Oswald de Sousa Andrade funda a "Revista de Antropofagia" em 1927, onde afirma ser necessário que o Brasil devore a cultura estrangeira e, na digestão, aproveite suas qualidades para criar uma cultura própria.

Anita Malfatti nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, visitou a Europa e introduziu o expressionismo em São Paulo.

O expressionismo foi um movimento artístico que surgiu no final do século XX, como uma reação à objetividade do impressionismo francês, apresentando características de não ter uma preocupação com a objetividade da expressão, mas de poder exteriorizar uma reflexão individual e subjetiva dos artistas, não simplesmente absorver o mundo e reproduzi-lo, mas poder recriá-lo.

Em 1922, Mário de Andrade preparava a publicação de “Paulicéia Desvairada”, trabalhando simultaneamente com Anita Malfatti e Oswald de Andrade na organização de um evento que divulgaria as obras deles a um público mais vasto: a "Semana de Arte Moderna".

 O fato foi realizado em São Paulo, no Teatro Municipal. Durante esse evento, houve leituras literárias e palestras sobre arte, música e literatura, além de uma exposição de pinturas de Anita Malfatti e de outros artistas associados ao modernismo. O episódio marcou o início do modernismo no Brasil e tornou-se referência cultural do século XX.

O governador do estado de São Paulo na época Washington Luis, apoiou o movimento, e trouxe os artistas Plínio Salgado e Menotti Del Picchia do Rio de Janeiro – membros do seu partido, o Partido Republicano Paulista - para debater.

Mário de Andrade, além de ser um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna, foi um dos mais ativos participantes do evento - que apesar de ser recebido com ceticismo - atraiu certa audiência. Andrade aproveitou a ocasião, para apresentar um esboço sobre o ensaio que viria a publicar em 1925: a “A Escrava que não é Isaura” - num discurso que fala sobre tendências da poesia modernista.

A semana de arte Moderna
03

Interações Modernistas

O Modernismo surgiu na Europa, em Portugal, por volta de 1915, com publicação das revistas Orfeu (1915), Centauro (1916) e Portugal Futurista (1919). A primeira atitude dos novos escritores foi esquecer o passado, desprezar o sentimentalismo falso dos romanticos, adotar uma participação ativa e primar pela originalidade de idéias e na poesia - sendo assim, não deveriam se prender à rima e à métrica.

Os autores modernos não fundaram propriamente uma nova escola literária com regras rígidas, pelo contrário, desvincularam-se das teorias das escolas anteriores e procuraram os fatos da vida atual e a realidade do país de uma forma livre e descompromissada, para transmitir suas emoções. Percebe-se que os autores modernos trazem um vocabulário cheio de expressões coloquiais, traduzindo a fala típica e versos livres.

No Brasil, o Modernismo surgiu a partir de 1912, quando Oswald de Andrade vai à Europa e volta imbuído do futurismo de Marinetti[1]. Em 1915, o jornal “O Estado de São Paulo” publica dois artigos de Monteiro Lobato: “Urupés” e “Velha Praga”, que condenam o regionalismo sentimental e idealista.

Anita Malfatti lança na sua pintura cubista em 1917, desprezando a perspectiva convencional e representando os objetos com formas geométricas. Em 1921, Graça Aranha volta da Europa e publica estética da vida, em que condena os padrões da época.

O modernismo brasileiro passou por três fases diferentes: a primeira (1922-1928), quando os autores procuraram menosprezar e destruir a literatura passada, dando ênfase a um nacionalismo exagerado, primitivista, repudiando todo passado histórico. No Brasil em 1922, aconteceu a divulgação das teorias vanguardistas europeias, pela Semana de Arte Moderna e com a chamada Geração de 22. Instalam-se, na literatura brasileira a escrita automática, influenciada pelos surrealistas franceses: o verso livre, o lirismo paródico, a prosa experimental e uma exploração bastante criativa do folclore, da tradição oral e da linguagem coloquial.

Num segundo momento (1928-1945), foi um período de construção de ideias literárias inovadoras e coerentes.  Nesta fase, destacamos Mário de Andrade, com a obra Macunaíma e José Américo de Almeida, com "A Bagaceira”.

Na terceira fase, os autores fogem dos excessos e primam pela ordem sobre os caos, que foi a geração. Esta fase no conjunto é contraditória - rompendo com o passado literário, mas ao mesmo tempo, tentando resgatar as tradições primitivamente brasileiras

[1]Felippo Tomasso Marinetti – Poeta, romancista e dramaturgo italiano, nascido em 1876 e falecido em 1944 que foi o fundador e principal teórico do futurismo,. Viveu na França, viajando frequentemente a Itália. Em 1909, publicou o “Manifesto do Futurismo” no jornal Le Fígaro. Suas ideias foram rapidamente adotadas por um grupo significativo de jovens escritores e artistas plásticos. Após a Primeira Guerra Mundial, Marinetti aderiu entusiasticamente ao Fascismo, argumentando que este era uma extensão natural do Futurismo.

Missão de Pesquisa Folclóricas,Mário de Andrade, 1938

Missões Folclóricas
05

A Missão de Pesquisas Folclóricas

Mário de Andrade decidiu formar um grupo de pesquisa, para viajar pelo Brasil a procura de registros das manisfestações folclóricas brasileiras, antes que elas desaparecessem, focando principalmente na dança e canto. Estuda profundamente tudo sobre a poética popular, avaliando todas as melodias oferecidas por seus amigos e alunos. Faz uma procura de exemplos de como se deve desenvolver uma metodologia de pesquisa de campo para realizar o seu trabalho.

Começa a escrever para seus amigos do Norte e Nordeste, a fim de obter informações sobre tudo que fosse relacionado às manifestações musicais de cada região, para formar as bases de pousada para iniciar a trabalhar.

Resolve criar juntamente com o escritor e arqueólogo Paulo Duarte, um Departamento de Cultura para a unificação da cidade de São Paulo - Departamento de Cultura e Recreação da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde se tornou diretor.

Seu objetivo declarado, conforme a ata da sua fundação, foi: “conquistar e divulgar para todo o país a cultura brasileira”. O Departamento de cultura recém-criado foi idealizado com a finalidade, de fazer uma investigação demográfica e cultural, realizando a construção de parques, recreações e importantes publicações culturais.

O projeto da expedição foi implementado pelo próprio Mário de Andrade, devido o fato do mesmo ser o primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo (1934-1937), hoje atual Secretaria Municipal de Cultura.

Com as ideias formadas de suas viagens, vai primeiro ao Rio Grande do Norte, em Natal e nos locais vizinhos. Em seguida, viaja para a Paraíba e aproveita para acompanhar o carnaval em Recife. Volta carregado de melodias com a intenção de publicar sobre o modo de cantar nordestino e potiguar.

Passou sete anos dedicando-se à pesquisa de todo o material trazido de suas viagens, passa então a ter conhecimento dos cantos populares do Brasil, e reforça sua crença na necessidade de registrar - gravando, filmando e fotografando.

A ideia inicial era formar um acervo de livros, discos e partituras, para em seguida pensar em gravar todas as músicas praticadas em todas as cidades dos arredores, gravando em estúdio as obras. No setor de pesquisas, aumentaria a possibilidade de trabalhos futuros, criando um "Laboratório da Palavra".

Mário sugeriu que as músicas que nosso povo cantava e dançava fossem consideradas um bem precioso da cultura intangível. Tinha planejado além da gravação e da filmagem, fazer um registro em livros de tombo.

Idealizou que a cada cinco anos, as mesmas regiões fossem mapeadas, para que no futuro fosse feito um comparativo das mudanças nos cantos dos povos brasileiros.

Seguiu o trabalho que estava sendo realizado no Departamento de Cultura e sugeriu a compra de equipamentos para várias seções e funções, ponderando com as discotecas e filmotecas:

 

[...] A parte que inicialmente tem de ser adquirida e é de necessidade imediata, é o aparelhamento de filmes sonoros, fonografia e fotografia. Mesmo o aparelhamento fotográfico pode ser deixado para mais tarde, embora isto não seja aconselhável. A fonografia como a filmagem sonora fazem parte absoluta do tombamento, pois que são elementos recolhedores. Da mesma forma com que a inscrição num dos livros de tombamento de tal escultura, de tal quadro histórico, dum Debret como dum sambaqui, impede a destruição ou dispersão deles, a fonografia gravando uma canção popular cientificamente ou o filme sonoro gravando tal versão baiana do Bumba-meu-boi, impedem a perda destas criações, que o progresso, o rádio, o cinema estão matando com violenta rapidez. (Cartas de trabalho, Brasília, MEC, 1981, p. 53, apud TONI).

 

Em 1938, reuniu uma equipe composta por: Antônio Ladeira - assistente técnico de gravação do Departamento de Cultura e auxiliar geral da missão; Martin Braunwieser - músico e maestro austríaco membro do Coral Paulistano; Benedito Pacheco - técnico de som e Luiz Saia - arquiteto e membro da Sociedade de Etnografia e Folclore  - e chefe da expedição.

Todos os integrantes foram munidos de uma infinidade dos melhores equipamentos de tecnologia da época, como por exemplo: uma máquina americana - Presto Recorder - que gravava em discos de acetato; uma câmera fotográfica Rolleyflex, uma filmadora Kodak de 16 mm e muitos outros acessórios, lentes, filmes, filtros e microfones. Seguiram viagem, em um navio saindo do Porto de Santos em Fevereiro de 1938.

O roteiro de viagem que o grupo de pesquisadores realizou, inicia-se em fevereiro, com escalas feitas no Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Maceió, posteriormente com o grupo desembarcando em Pernambuco - onde são recebidos pelo poeta Ascenso Ferreira e pelo musicólogo, Valdemar de Oliveira - nesta primeira parada ficaram até março.

Na capital, juntos trabalham nos municípios de Rio Branco, Tacaratu, Folha Branca e Brejo dos Padres - onde colheram os aboios, acalantos, cantos de carregadores de piano, cantos com viola, cocos, xangô, tore, bumba-meu-boi e cabocolinhos. Fizeram um único filme em Pernambuco, mostrando o Carnaval e o frevo do Recife.

Em maio, vão à Paraíba, foi onde a equipe das Missões esteve por mais tempo pesquisando, com duas incursões ao interior. Dirigiram-se à João Pessoa e também visitaram os seus arredores - como o bairro Alagoa Nova, Rogers, Curema, Torrelândia e Itabaiana. Seguem em seguida para Pombal, Patos, Campina Grande, Sousa, Cajazeiras, Alagoa Grande, Mamanguape , Baía da Traição e Areia - de onde trazem as cantigas de roda, cantos de pedintes, aboios, cantos com viola, cocos, bumba-meu-boi, reis de congo, chegança de marujos, praia e reisado. Fizeram em Itabaiana e João Pessoa, todas as cenas filmadas na capital e no interior do Estado mostrando danças de cabocolinho; os vaqueiros na pega de bois, em Patos, na Fazenda São José; o coco - de João Pessoa e Itabaiana; o bumba-meu-boi - de Souza e de Patos; otoré e o praiá, dos índios Pancararu, de Tacaratu; a nau catarineta - de João Pessoa, e o Pombal - do rei de congo.

Entre o mês de maio e junho, o grupo fez uma extensa travessia por terra até o Maranhão, passando pelo Ceará e Piauí, embora tenham tido uma atraso no trajeto, devido um problema no caminhão.

Ainda no mês de junho, continuam as pesquisas em São Luís, onde fizeram o registro de tambor de crioula, boi-bumbá, carimbó e tambor de mina. Logo que saíram do Maranhão, a equipe seguiu para Belém, permanecendo até julho - gravando acalantos, babaçuê, pajelança e boi-bumbá - onde as filmagens contemplam o babaçuê do Terreiro de Sátiro Ferreira de Barros.

A justificativa do motivo que levou a escolher estas regiões para o início deste trabalho, seria por serem as mais ricas em música popular.

Em quase seis meses de viagem, os pesquisadores conseguiram um acervo de 1.126 fotografias, 1.500 melodias gravadas e 17.936 documentos textuais (cadernos de desenhos, cadernetas de anotações, notas de pesquisas, anotações musicais, letras de músicas, versos da poética popular e dados sobre arquitetura), 19 filmes de 16 e 35 mm, e outras mil peças elencadas entre instrumentos de corda, sopro, percussão e objetos etnográficos.

Conseguiram construir um material muito rico, que se tornou um verdadeiro mapa cultural do nordeste: Cantigas de Roda, Cantos Religiosos, Barca, Catimbó, Bumba-meu-boi, Maracatu, Nau Catarineta, Cabocolinhos, Tambor-de-Criola, Tambor-de-Mina, Praiá, Aboios, Cocos, Sessões de Desafio, Xangôs, de Ninar, Cantos de Trabalho, Cateretê, entre outros.

Fizeram um registro detalhado da confecção de utensílios artesanais e da poética popular, além de danças e cantos diversos. Todos os registros da pesquisa seriam destinados para a Discoteca Pública, que foi criado pelo Mario de Andrade, inspirado no modelo italiano e que pertencia a uma divisão do Departamento de Cultura.

Atualmente, este material compõe o acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga - que foi a corresponsável pela metodologia de trabalho da equipe, organizando os textos, transcrevendo todo material da expedição, resultando em 6.304 páginas datilografadas, e 1.299 fonogramas originais de música popular, e faz parte do acervo do Centro Cultural de São Paulo desde 1993.

Mesmo com o sucesso da expedição - Mário de Andrade continuava sendo o mesmo obstinado de sempre, por este motivo, resolveu ampliar seu trabalho sobre o folclore popular e música, ao mesmo tempo, em que organizava exposições e conferências.

Todo o trabalho das missões somou um amplo acervo registrado em imagens fotográficas, filmes, áudio e anotações musicais, referente aos lugares que percorreram durante as viagens feitas pela equipe.

Este projeto foi conhecido como pioneiro em multimídia da cultura brasileira. A divisão de todo o material foi realizado conforme o caráter funcional das formas de expressões culturais: cantar, rezar, trabalhar e músicas de dançar.Todo o acervo resultou em uma das maiores e melhor coleção fonográfica cultural, formando uma Discoteca Municipal.

Nesta época, Mário de Andrade faz amizade com a etnóloga Dina Dreyfus, esposa de Claude Lévy-Strauss - que neste momento era membro de um grupo de professores da Universidade de São Paulo e  estava realizando pesquisas. Dina Dreyfus tornou-se colaboradora da Discoteca, ministrando cursos de Etnografia e Folclore para formação de pesquisadores, orientando alunos em como aprender a fazer o trabalho de campo, que em primeiro plano, estaria sendo pautado apenas em recolher objetos.

Foi Dreyfus que proporcionou toda a bibliografia que Mário de Andrade teve contato, por ser uma especialista em documentação musical em campo.

É provável que Dina Dreyfus, tenha conhecido o autor de “Esquisse d’une méthode de folklore musical” - Constantin Brailoiu - musicólogo romeno que trabalhou no "Museu do Homem" ao lado de alguns professores e, este projeto, pode ter sido a fonte da metodologia adotada pelas Pesquisas Folclóricas das Missões.

Logo após ter sido instaurado o Estado Novo por Getúlio Vargas (que era contra o pensamento do projeto) e com a mudança do prefeito paulista Fábio Prado por Prestes Maia, ordenou-se o cancelamento da missão. Diante de todas as dificuldades, Mário de Andrade, coloca seu cargo de Diretor do Departamento de Cultura, à disposição, causando a diminuição e simplificação do projeto.

Outro aspecto a se lembrar do caráter sempre guardião de Mário com relação à cultura nacional, mostra-se quando o poeta em conjunto com o advogado Rodrigo Melo Franco, mostra-se como um dos mentores e fundadores do SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - que foi fundado em 1937, dedicado à preservação de objetos históricos e sítios relacionados ao legado religioso do país e a fatos políticos históricos.

O SPHAN por ordem de limitações financeiras e políticas, foi impedido da realização do projeto das Missões - diminuindo as atividades do instituto.

Na época, Mário de Andrade teve que abortar seus planos e decide mudar-se para o Rio de Janeiro, para tomar posse de um novo posto na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde comandou o Congresso da Língua Nacional Cantada, um importante evento folclórico e musical.

Em 1941, retorna a São Paulo e assume o seu antigo cargo do Departamento de Cultura, apesar de trabalhar com muito menos intensidade.

Obras de Tarsila do Amaral

bottom of page